O que há de verdadeiro na esperança de que fatores climáticos contenham a epidemia por aqui
Uma das principais esperanças do Brasil no combate à Covid-19 é um clichê: somos um país tropical, e o novo coronavírus não terá aqui as mesmas condições de propagação que nos climas temperados da China, Europa e Estados Unidos. Faz sentido? Que diz a ciência?
Tal esperança se baseia em fatos consolidados a respeito da gripe e de outros tipos vírus que causam problemas respiratórios. As quatro espécies conhecidas de coronavírus responsáveis por resfriados comuns – identificadas pelas siglas OC43, HKU1, 229E e NL63 – são influenciadas pelo clima. Na epidemia provocada pelo primeiro vírus da Sars, em 2003, outro coronavírus não prosperou quando a temperatura subiu (embora sua erradicação tenha mais a ver com as medidas para evitar contágio).
Quando, portanto, o novo vírus Sars-CoV2, causador da Covid-19, foi identificado, uma das primeiras ações dos cientistas foi tentar extrair conclusões a respeito de seu comportamento em diferentes condições de temperatura e umidade. Diversos estudos sobre o assunto já foram divulgados. A maioria deles ainda não passou pelo ritual acadêmico de revisão pelos pares, anterior à publicação oficial. Apesar disso, suas conclusões são relevantes.
Alguns permitem manter a esperança de que o novo coronavírus seja mesmo menos virulento no clima mais ameno. Mesmo assim, isso não significa necessariamente que o Brasil poderá relaxar as medidas de isolamento social no combate à Covid-19. A seguir, as principais conclusões a respeito da relação da doença com o clima.
O primeiro estudo a relacionar o novo vírus a fatores climáticos saiu em 17 de fevereiro. Com base em dados das províncias chinesas atingidas pela epidemia, os autores, todos ligados à Universidade Harvard, investigaram o papel da umidade no contágio. As conclusões não foram muito animadoras.
“A transmissão sustentada e o crescimento rápido (exponencial) dos casos é possível ao longo de uma gama de condições de umidade, variando das provícias frias e secas da China, como Jilin e Heilongjiang, a locais tropicais, como Guangxi e Cingapura”, escreveram. “Nossos resultados sugerem que mudanças apenas no clima não necessariamente levarão ao declínio na contagem de casos sem a implementação de intervenções extensivas de saúde pública.”
Poucos dias depois, em 25 de fevereiro, pesquisadores ligados à Universidade Sun Yat-Sen divulgaram um estudo sobre a relação não da umidade, mas da temperatura com a disseminação do novo coronavírus em todas as cidades atingidas pela epidemia na China. Desta vez, os resultados pareceram mais encorajadores.
“Até certo ponto, a temperatura poderia transformar significativamente a disseminação da Covid-19, e poderia haver uma temperatura mais favorável à transmissão do vírus”, escreveram. Essa temperatura estaria pouco abaixo de 9ºC. O efeito que constataram, embora significativo, foi pequeno e não demonstra uma relação de causa e efeito entre clima mais ameno e menor contágio.
Em 16 de março saíram dois outros estudos sugerindo que fatores climáticos podem contribuir para arrefecer a epidemia. O primeiro, publicado no Swiss Medical Weekly, usa as variações sazonais dos quatro tipos conhecidos de coronavírus para construir um modelo capaz de prever os níveis de contágio do Sars-CoV2. “Depois de muitos anos, o Sars-CoV3 poderá se tornar um coronavírus sazonal com surtos no inverno”, afirmam os autores. “É preciso notar, porém, que ele parece ser transmitido em climas tropicais, como Cingapura, portanto o inverno não é uma condição necessária para a disseminação.”
O segundo estudo, de cientistas europeus ligados às universidades de Évora, Helsinki e ao Museu Nacional de Ciências Naturais da Espanha, é mais otimista nas conclusões. “Pessoas nos climas temperados quente e frio são mais vulneráveis. Aquelas nos climas áridos vêm em seguida na vulnerabilidade, enquanto a doença deverá provavelmente afetar os trópicos marginalmente”, afirmam.
As projeções deles sugerem que as temperaturas médias ideais para a transmissão do novo coronavírus estão entre 4ºC e 16ºC. O mecanismo que explica tal padrão está, dizem os cientistas, provavelmente vinculado à capacidade de sobrevivência do vírus fora do corpo humano, favorecida também pela umidade baixa. Mesmo assim, eles também são cautelosos: “Enquanto o padrão de contágio é, com base na nossa análise, constrangido por fatores climáticos, o número real de casos positivos é afetado por fatores não-climáticos.”
Por fim, um último estudo publicado no último dia 19 corrobora as conclusões otimistas. Analisando a propagação da Covid-19, os autores, vinculados ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), afirmam que “o número máximo de transmissões ocorreu numa determinada faixa de temperatura – 3ºC a 13ºC”. Apesar disso, reconhecem que a relação não é uniforme e não foi verificada em países como Cingapura, Malásia, Tailândia, Índia e no estado americano da Flórida.
“Embora tenhamos verificado efeitos relacionados ao clima, enfatizamos a necessidade de usar as medidas de quarentena adequadas, mesmo nas regiões mais quentes”, escrevem. “Além do clima, vários outros fatores desempenham um papel na quantidade de casos em cada região.” Entre tais fatores, enumeram a qualidade dos serviços de saúde, medidas de distanciamento social mobilidade da população, grandes aeroportos e a maior proporção de idosos na pirâmide etária.
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